“Existem dois tipos de infância: a pobre que trabalha e a nobre que explora”. Foi assim que a professora do departamento de educação da UFS, Liana Torres, iniciou sua palestra na tarde da última terça-feira, 11, durante a audiência pública “Trabalho infantil doméstico: tem criança que nunca pode ser criança!”, iniciativa da Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente, presidida pela Deputada Ana Lúcia (PT), em parceria com o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FEPETI/SE).
A audiência congregou representantes da sociedade civil organizada, do poder judiciário, legislativo, CRAS, CREAS, conselheiros tutelares e de direitos e outros diversos atores envolvidos com o enfrentamento ao trabalho infantil no Estado, que lotaram a galeria da ALESE.
A professora Liana Torres trouxe uma reflexão profunda sobre a origem do trabalho infantil e sobre seu impacto na educação de crianças e adolescentes. Ela explica que a raiz deste problema está na pobreza. “O trabalho infantil tem cor, tem classe, e é reproduzido por uma cultura familiar e referendado por uma mentalidade social na qual prevalece a idéia de que é melhor que a criança pobre tenha um ofício do que fique perambulando pelas ruas”, apontou a educadora.
Liana Torres acredita que o trabalho precoce condena à falência da infância 3,4 milhões de brasileiros de 10 a 17 anos que trabalham para complementar a renda familiar, de acordo com o senso do IBGE de 2010. A especialista acredita que por estar profundamente enraizado nas desigualdades sociais, o trabalho infantil é socialmente tolerado. “O trabalho concreto para as famílias pobres, sem leitura e escrita, tem valor de uso real, enquanto a escola assume valor secundário. Até porque para produzir trabalho com valor de troca, através do processo de escolarização, demanda muito tempo e projeta uma idéia de futuro”, refletiu.
Para o coordenador do FEPETI/SE, Danival Falcão, o fenômeno do trabalho infantil é o sintoma de problemas sociais mais graves e reflexo da falta de prioridade que a infância e adolescência tem nas políticas públicas. “Compreender que 11% das crianças e adolescentes trabalham em Sergipe significa compreender que o poder público falha, as famílias brasileiras falham e a sociedade brasileira falha para 11% dos meninos e meninas”, atentou.
Trabalho doméstico
O trabalho infantil doméstico ocorre inevitavelmente no ambiente privado, fazendo com que ele permaneça invisível para boa parte da população e dificultando sua identificação e seu enfrentamento. Ainda assim, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011 (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 2.528 meninos e meninas na faixa etária de 10 a 17 anos trabalham irregularmente na residência de terceiros. O número representa 6,36% de todos os casos de trabalho infantil no estado.
A deputada e professora Ana Lúcia chama a atenção ainda para a ocorrência do trabalho infantil no âmbito da própria família. Para ela, esta é uma questão cultural que exige investimento em ações educativas e preventivas. “Nós precisamos educar a população para rever este conceito de que criança é a miniatura do adulto”, avaliou.
De acordo com Ana Lúcia, a ocorrência do trabalho infantil no âmbito familiar é principalmente fruto das desigualdades sociais e está intimamente relacionada à falta de políticas estruturantes em diversos campos, como geração de renda, educação, cultura e lazer. “Precisamos encaminhar de forma prioritária a jornada ampliada em nossas escolas para que as mães possam trabalhar e deixar seus filhos com segurança na escola. Portanto, precisamos investir em pré-escolas, educação infantil e fundamental de qualidade, onde o saber da criança e o lúdico sejam estimulados”, sugeriu a parlamentar.
Neste sentido, a professora Liana Torres destacou que a redução do trabalho infantil em 14% nos últimos anos está intimamente relacionada ao aumento da renda das pessoas que viviam na extrema pobreza. “Isso nos remete a refletir sobre porque as famílias submetem seus filhos pequenos ao trabalho”, reflete.
Danos do trabalho infantil doméstico
Considerado pela Organização Mundial do Trabalho (OIT) uma das piores formas de trabalho infantil, o trabalho infantil doméstico traz graves riscos para o desenvolvimento físico, psicológico e social da criança. Além de afastar meninos e meninas de suas famílias e amigos, esse tipo de exploração potencializa os riscos de acidentes causados pela exigência física do trabalho e pelo manuseio de produtos químicos e de fogo.
As longas jornadas de trabalho, o isolamento social e familiar e principalmente as relações marcadas pelo poder do patrão sobre o empregado, quase sempre presentes nos casos de trabalho infantil doméstico, também tornam a criança mais vulnerável a outras violações de diretos, como a violência física, psicológica e até mesmo sexual.
Participação dos adolescentes
A jovem representante do FEPETI/SE, Alanna Mangueira, criticou a falta de abertura para a participação dos adolescentes no âmbito dos espaços públicos e deliberativos. “Onde há adultos e adolescentes, infelizmente, o adolescente não é priorizado. Existe uma barreira impedindo a maioria dos adolescentes de participarem de momentos como este. Porém, chegou a hora de abrir estes espaços para que os jovens participem e proponham”.
A adolescente de 14 anos cobrou a criação de espaços específicos para que os adolescentes possam debater e propor soluções aos problemas que atingem suas vidas, bem como a abertura dos espaços de decisão já existentes para a participação desta parcela da população. “O jovem sabe o que o ele sente, sabe seus direitos e deveres. Não adianta colocar o adulto para decidir pelo adolescente, sem que ele esteja presente. Se queremos garantir a prioridade e a participação de meninos e meninas, precisamos começar no nosso município, no nosso estado, dentro das escolas, nas nossas casas, na nossa rua”, avaliou.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Audiência pública discute causas e aponta caminhos para superação do trabalho infantil
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seja bem-vindo ao nosso blog. Sua opinião é importante para nós!